terça-feira, 12 de abril de 2011

A Criança na História


Antes de falar, escrever sobre a linguagem do teatral infantil, ou mesmo do teatro feito para criança, é preciso recuar um pouco no tempo, para entendermos primeiro o que é criança e o que vem a ser a criança na sociedade de hoje e de antes. É preciso descobri-la, entende-la na história para termos uma base sólida e saudável para a construção de nossos trabalhos artísticos direcionados a ela.     Digo que simplesmente entendê-la é o princípio básico para  toda e qualquer obra .
 Vou me transportar um pouco no tempo e espaço pra poder fincar as bases do (re) conhecimento e vou atravessar o tempo e ver uma época  que a  criança era tida como um anônimo na história  : a Idade Média .  O registro (não só nessa época ) trata quase sempre do adulto, dos seus feitos heróicos, das suas  guerras, invasões e conquistas e   negando a criança  na vida social e pública. Só por ai já poderíamos nos indagar: e a criança nesses acontecimentos históricos como vivia, como sobrevivia? Existiam crianças?   Bem, claro que existiam, mais o processo era delicado para ela, pelo simples fato de serem crianças e não poderem fazer os trabalhos braçais, não ir à guerra, não conquistar países e não  poder empunhar armas.  Ela, para o adulto era um estorvo, um peso morto na sociedade, um desmilingüido.     Considerada impuro e em alguns casos mau agouro (com aquelas que nasciam deficientes) ou aquelas que eram “endiabradas”, no caso, hoje, imperativa.  A família na tinha nenhuma relação de afeto e carinho com seus filhos, não havia o sentimento de infância, não se respeitava as diferenças entre adulto e criança. Tudo era uma coisa só. Assim que nasciam e pouco tempo depois que desmamava (entre os sete anos) já entrava na vida braçal, na vida  do adulto, pois no entendimento da época, ela   estava pronta para encarar o mundo. Nessa época também  os infanticídios  eram altíssimos e esses infanticídios eram cometidos pelos próprios pais! Como se davam essas mortes? Muitas crianças morriam asfixiadas e as explicações dos genitores eram: “que como o filho deles dormia na mesma cama sem que eles percebessem, no meio da noite deitou-se sobre o corpo franzino sem querer, um acidente, aí ele morreu.”
Tentar localizá-los sobre a época que apontei minha bússola. Bem eu estou na idade média. Falo sério, não estou aqui e agora estou na idade média. Embora os fatos se repitam, e assumam outros contornos. É também nessa época, ou melhor, no final dela que alguns avanços significativos embora a passos lentos contribuíssem para a idéia de criança e das suas transformações na sociedade e na arte e na educação.
 O que era a o povo desse tempo? Vou de novo me transfigurar como uma criança que ao mesmo que faz do seu sapato um carro, um avião, uma boneca, vira pai, mãe tio e professor (ela é o legitimo ator), e no meu caso vou ser um de historia.

Aula de historia:

A idade média que se  inicia com as invasões bárbaras no século V sobre o império romano no ocidente. Uma época de guerras economia e sociedade rural, sociedade hierarquizada e supremacia da igreja católica.   A estrutura política dessa época que prevalece é da vassalagem e suserania. O suserano dava lote de terra ao vassalo para ela produzir e ao mesmo tempo prestar fidelidade e ajuda ao seu suserano. O vassalo oferecia ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho, em troca de proteção e um lugar no sistema de produção.  Como dá pra ver a estrutura dessa época priorizava o homem produtivo. Então a criança como um ser desmilingüido (adoro essa palavra, tão infantil) sofria as conseqüências e desvantagem da época e por isso não tinha muito tempo pra ser criança, pois aos sete anos já era enviada as lavouras, a vida adulta e iam a ambientes tipo tabernas, bordéis... onde os adultos freqüentavam.
Com o avançar do século a igreja lança o movimento de moralização da humanidade e da família. Até imagino os bispos, padres e outros  da família canônica reunidos:

- Poxa tá demais!
- É! Estamos perdendo novos cristãos. Não  “tá” sobrando um menino pra contar historia?
- Vamos moralizar essa turma aí bispo!
- Isso!   
Claro que o diálogo existiu, mas não com esse despojamento de linguagem. Estou sendo imaginativo.

  A igreja em conjunto com o Estado tira um pouco a criança do trabalho pesado e a coloca numa espécie de quarentena ou clausura ou prisão até para ter sua estrutura dignificada. Essa quarentena na verdade tem outro nome: Escola.  Isso mesmo escola, a criança vai para escola para ela aprender os bons costumes e a  moral. Claro que essa escola criada não era uma escola no moldes de hoje ou foram feitas pra um cunho pedagógico curricular. O intuito dessa escola era corrigir os “endiabrados”, os impuros. Como eram taxadas a crianças dessa época. Crianças que viviam pecando, sendo comilonas, preguiçosas, brabas, desobedientes, briguentas, mexeriquentas, faladoras, sem religião. Mas ora meu Deus do céu, isso é próprio delas!  Está ai nessas AÇOES a essência genuína infantil! Engraçado, hoje se a criança não agir assim dizemos: está doente! Ou perguntamos mesmo: esse menino está doente?  Não corre, não pula, não come... Mas antigamente pra sociedade, família e igreja, era ao mesmo tempo, esses meninos, uma mancha negra que precisava ser apagada e “páginas em branco” a serem preenchidas pelos adultos.

A escola dessa época na qual a criança estudava não tinha nenhuma preocupação pedagógica e com sua faixa etária. Eram salas de estudos livres podendo conter até 200 alunos, entre adultos, velhos, adolescentes.  
No final do século XV e começo XVI a sociedade é cobrada, a família é cobrada a ter mais cuidado com a criança a necessidade da afetividade fraterna pelos filhos. E a passos lentos isso vai sendo aplicado e conquistado. E essa conquista parte principalmente de quem? Da igreja? Do estado? Não! Parte principalmente da criança que cobra o seu direito as suas necessidades enquanto criança, ou seja, a própria natureza humana querendo ocupar seu espaço lúdico e poético nada sobrevive sem o jogo onírico e lúdico. E como elas cobravam o seu direito? Organizando passeatas, com cartazes, fazendo greve? A criança reivindicava sendo briguenta, desobedientes, faladoras e a recusar de ir à igreja. Claro que elas cobravam aos pais um colo, um beijo, um passeio e: “não quero trabalhar hoje, vou brincar!”

Os pais se aproximam mais dos filhos a escola começa a pensar a criança e suas especificidades inclusive a separar por idade. As escolas que eram verdadeiros internatos se transformam em externatos por reivindicação dos próprios pais que queriam ficar com seus pimpolhos
A escola teve um papel protuberante na construção de uma ciência feita para criança principalmente a psicologia.
 
Com o final do século dezenove e chegada do século vinte, a escola avançou assim como a família e a sociedade como um todo.  A ciência vem para contribuir consideravelmente e quem teve um papel nessa nova visão de infância foi o psicólogo e epistemólogo suíço Jean Piaget. Esse senhor estudou como ninguém o desenvolvimento mental da criança. Piaget aprende com seus filhos, que elas, as crianças, passam por alguns estágios até chegar à vida adulta. E esses estágios são:

* Estágio sensório-motor: de zero a aproximadamente 18 ou 24 meses.
* O estágio pré-operacional: aproximadamente de dois a seis ou sete anos.
*  O estágio operacional-concreto: de cerca de sete até aproximadamente 11/12 anos.
*   O estágio operacional-formal: a partir de aproximadamente 11/12 anos
A escola evoluiu quando o russo Piaget coloca as fases de desenvolvimento da criança em faixas etárias e coloca assim uma base sistemática e lúdica para o entendimento da psicologia infantil. E daí a linguagem do teatro infantil ganha um conhecimento que não tinha antes: o de entender como a criança pensa e age em determinadas situações (fases), de saber suas especificidades.
 O simples fato de saber o que a criança enfrentou ao longo da história me deu uma nova visão das minhas obras no teatro seja como autor ou diretor. Saber disso me fez ver o teatro com outros olhos, não só os meus olhos e sim os olhos dela: o da criança.

Por Samuel Santos
(Autor e diretor teatral )

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